quarta-feira, 7 de abril de 2010







Louvre,
lindo Louvre...
Leve na entrada,
pesado no trajeto...
cansado na saída!
Louvre,
leve paciência,
disposição...
e traga uma única certeza:
Não, você não viu tudo!
Eu sei...
e eu também prefiro o Orsay!!!

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Canção para o Mar

A cada nova piada-velha,
conhecida e manjada,
outra risada rasgada
pelo simples prazer de rir, por rir!

Viver por isso,
como filho, pai e finalmente avô...
procurando o sorriso mais besta,
quando menos se des-esperava.

Inteligente o bastante
para bem saber rir de si...
Gargalhar das auto-fragilidades,
ou de semelhanças com Dori.

Chegar ao fim, campeão,
certo de ver, como nunca,
rebentos tão prontos
para enfrentar a vida sorrindo.

Agora, para lhe encontrar,
basta pisar nas areias de Itaipu,
respirar profundamente sob o céu azul
e nesse momento, em voz baixa, cantar:

“O Mar, quando chega na praia, é bonito...”


João F. A. Cunha
26/01/2010

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

“Neve no vulcão”

Quando ela saiu da geladeira, feito fruta da feira passada, já não havia dentro de si o que semear, e ela murchou. A menina fez dos seus dias uma interminável colheita de lamentações.
Nada foi do que poderia ter sido e o destino inadiável se remediou no silêncio. Quantas palavras engolidas, quantos gemidos inconscientes...
Sua mente em desfragmentação tentava apagar os arquivos indesejados, mas ela... nada. Impregnada de desejos-incontrolados, se autodescongelava e partia novamente em busca de seu coração.
A visão do mundo era sublime... era cegueira... era censura própria, como o ópio mais doce que não se deseja provar.
A solidária tristeza que tinha por seu próprio amor, desfiava-se ao longe... e ela ia aprendendo pouco a pouco como era ser pouco feliz. Mas era a felicidade constante de um trem-fantasma e não aquela parca alegriainfeliz de montanha-russa, a que ela então se tencionava. Era a felicitude despercebida... desgostosa... des-pedida...
De repente, isso tudo não era mais só cozinha, nem sala ou quarto... tornou-se sua morada em si... e sua personal-habitação. Tomada por uma confiança invadida, sem-terra e sem-teto, ela enfim admitiu-se livre.
Era tudo para ela... era ela para tudo... tudo para ela era... Para ela... tudo!
E fugiu.


João F. A. Cunha

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Dando nó em pingo d'água

Pode parecer piada, preconceito ou exagero, mas prometo aos leitores, quase tudo que escrevo é pautado na verdade... creiam vocês ou não!
Um distinto cavalheiro português, instruído e curioso, tendo desembarcado a trabalho no Brasil, pôde experimentar os sabores da nossa terra. Oportunamente estivemos ambos em Salvador, onde ouvi a surpreendente narração.
Sem papas na língua, confessou-me ele a súbita maré de azar que lhe afogava. Sua visão das belezas-naturais soteropolitanas fora repentinamente embaçada por uma conjuntivite, que lhe obrigou a recolher-se durante um tempo. Contudo, no calor de uma tarde que arde, não resistiu a um passeio pela praia, onde, irritado pela coceira, decidiu lavar os olhos com água do mar, no intuito de desinfetar a vermelhidão que lhes tomava. Trágica opção! Os olhos quase saltaram pra fora e, em menos de uma hora, estava ele no hospital.
Segundo o próprio, nem o médico acreditou no que acabara de se passar, exclamando espantado:
– O que?!
Depois de justificar-se, ficou calado, ouvindo o doutor e sua prescrição. O colírio... o colírio... o colírio...
Acontece que este nome, ao qual estamos acostumados, não existe em Portugal, onde o nome dado ao medicamento, originado do conta-gotas, é “gotas para os olhos”. Aliás, tudo que se pinga deste mesmo modo, é por lá tomado assim, mas depois de alguma conversa, entendeu o português, do que o médico falava.
Terminada nossa refeição, concomitante a tal narração, ofereci-lhe uma xícara de café, dizendo que naquele restaurante, nos era dado por cortesia. Quando se aproximou a garçonete, trazendo um suco em sua bandeja, e perguntando se era nosso tal pedido, cordialmente respondemos que não e disse ele sem hesitação:
– Mas a cortesia...
A garçonete embaraçada, não entendia se ele brincava, querendo o suco sem pagar... quando interrompi:
– Queremos dois cafés!
E me apressei em lhe explicar o sentido daquela palavra, até que chegou nossa bebida. Ele não teve dúvidas, ao pegar o adoçante exclamou de cabeça erguida:
– Vou pingar o meu colírio!
Eram gotas de aspartame... que no seu entendimento teriam a mesma significação.
– Não! A palavra colírio é usada apenas para o medicamento...
Notei que ele estava confuso, não percebendo qual o uso devia dar pra palavra “gotas” e com auxílio de um copo d’água mostrei que as pequenas parcela de líquido, seja lá como tiverem sido criadas, podem assim ser denominadas.
– Mas a isto chamamos pingas! – disse-me ele numa só toada.
Segurei minha gargalhada, revelando que no Brasil também havia pingas, como sinônimo de cachaças...
Despedimo-nos bem-humorados, mas soube eu que, num outro dia... num boteco em que parara, o cavalheiro português ao bebericar um café expresso ainda não adoçado, disse imediatamente ao rapaz que ao balcão trabalhava, que ali faltavam pingas... E se já estava complicado dele se entender naquele lugar... imagine embriagado!



João F. A. Cunha
(21/09/2009)

domingo, 16 de agosto de 2009

Se me visse como poeta
e não assim tão poesia,
certamente dormiria em si esta alegria
de me ter em suas mãos.
Se você não mais me olhasse
entre essas linhas,
repararia em pouco tempo meus detalhes...
corriqueiros destemperos,
que costumo apagar.
E num piscar
acordaria com palavras menos sórdidas,
e com as mais... se chocaria!
Se deixasse de-solar-se
pelo brilho das tristezas
que carrego em minha íris,
circundadas de amor...
"Não te olvides"
que ali enxergaria
a escuridão retida em mim.
E nas lágrimas talhadas
pelas poucas pobres rimas,
refletiria...
dolorida demais pra espiar
meus pluriversos em você.


João F. A. Cunha

terça-feira, 2 de junho de 2009

Jaime Trem

A tarde estava gostosa, calma e monótona, exatamente como Jaime apreciava... até que uma velhinha entrou em seu escritório, no centro de B.H.
Falava pelos cotovelos, atravessando assuntos, cobrando alguma atitude, sem nem mesmo se apresentar. Demorou só um “cadinho” pra ele deduzir o problema que se desenhava a sua frente... teria que trabalhar.
Foi assim, meio sem pressa, que ele explicou como era o seu complexo método. Pura observação e deduções lógicas, para desvendar mistérios e esclarecer dúvidas. Jaime era detetive particular. Quem o olhasse passando na rua, jamais desconfiaria. Óculos redondo, rosto redondo, corpo redondo e poucas palavras.
Era um caso complicado o da Dona Aurora. Desconfiar do marido, no ano das bodas de ouro, devia ser duro... e procurar um detetive foi a forma menos constrangedora que ela encontrou para dar fim àquilo tudo.
Sem sucesso, ele tentou acalmar Dona Aurora, em seguida pegou um copo de água-com-açúcar e tomou de um só gole, para conseguir ouvir todos os detalhes. Vale destacar que não eram poucos. A velha contou toda a sua própria rotina, a do marido, dos filhos e nem a bisneta ficou de fora da história.
O detetive pegou a caneta e um caderno. Minuciosamente ele foi preenchendo as lacunas e quando estava quase fechando aquelas palavras-cruzadas, ela enfim terminou. Jaime tirou os óculos, enxugou a testa e indagou:
– Mas Don’Orora, a papinha que a sinhora dá para sua bisneta é industrializada ou feita em casa?
Sem entender, a mulher perguntou o que aquilo tinha de relevante.
– Isso é o que eu pretendo descobrir, uai!
Dona Aurora retomou sua fala e ele, as palavras-cruzadas, balançando a cabeça e dizendo:
– Muito intrigante!
A velha já se sentia mais calma, definitivamente falava com alguém que entendia do assunto...
Muitas lacunas depois ele arrematou:
– E onde é que ele joga dominó, mesmo?
Seu Benedito não jogava dominó, jogava cartas na praça à frente do escritório de Jaime, por isso ela o procurara.
– Nó... Benza-Deus! – exclamou ele.
Quando a velhinha finalmente decidiu deixá-lo trabalhar, voltou-se para ele perguntando seu nome. A resposta veio cheia de felicidade.
– Trem, Jaime Trem!
Dona Aurora não entendeu de que “trem” o detetive estava falando e ele explicou:
– Uai, num tem aquele espião dos firme?
E a velha disse não compreender de qual “espião firme” ele falava, então, aborrecido se explicou:
– Os gringo tem o James Bond, e eu sou o Jaime Trem... é um código-nome, uai!
Insegura a mulher deixou uma foto do marido com ele e saiu. Uma semana era o prazo inicial, para ter alguma resposta.
Na manhã do dia seguinte, Jaime cochilava recostado sobre a mesa, quando foi abruptamente retirado de seus sonhos pelo telefone. Deixou que tocasse mais um pouco, simulando estar ocupado, na esperança de que desistissem. Não desistiram.
A voz arranhada e o ritmo desenfreado das palavras não deixavam dúvidas, era Dona Aurora, querendo saber o que ele já apurara. Dizer que não teve tempo suficiente, sequer para olhar a foto do coroa, não adiantou. Então decidiu se dedicar à sua cliente...
– Ô... Ô... Don’Orora, o que é que mais tem te irritado no Seu Binidito?
Sua larga experiência no ramo mostrava que não havia nada melhor do que pedir para uma mulher, falar mal do próprio marido e a velha “tirou a barriga da miséria”. Jaime pôs o telefone no viva-voz e retornou às palavras-cruzadas. Já estava ficando preocupado, pois normalmente levava uma semana para terminar cada revistinha, mas graças à velhota chegava nas últimas folhas, em menos de três dias.
Quando se deu conta, um silêncio pairava no ar, sua cliente terminara de falar. Automaticamente ele se pronunciou:
– Hum! Intrigan’ demais da conta, sô!
Nesse momento a velhinha iniciou um choro silencioso, forçando-o a tomar uma atitude radical.
– Don’Orora, a sinhora fique traquila, que eu tô na pista dele. Agora deix’eu desligar que nosso tempo é pricioso.
A coisa estava séria e Jaime realmente não queria perder tempo, por isso saiu de casa, atravessou a praça e parou na banca de jornal, precisava comprar mais palavras-cruzadas. Em seguida procurou uma loja de eletro-eletrônicos, pois havia um dispositivo indispensável para aquela missão, um identificador de chamadas, para que nunca mais atendesse a velha desavisadamente.
Na volta, passou novamente pela praça e vendo alguns anciãos distribuindo peças de dominó sobre a mesa, decidiu parar para jogar. O diabo era que os tais coroas jogavam pra valer. Depois de perder alguns trocados, ciente de que aquela investigação estava ficando muito dispendiosa, lembrou de perguntar sobre Seu Benedito. Muito querido entre os companheiros de jogatina, ele era reconhecido como um perdedor convicto. Deixava boa parte da aposentadoria por ali. Jaime refletiu alguns instantes e teve uma idéia “solucionática” (como diriam os grandes fãs de Dadá Maravilha), jogaria com Benedito até recuperar o dinheiro perdido.
Passou a semana perdendo e ganhando ainda mais naquela praça... Seu Benedito chegava desconcentrado, sempre reclamando da esposa e Jaime dava toda razão ao simpático idoso.
Ao fim de uma semana não teve como evitar e foi para o sacrifício. Ligou para Dona Aurora convocando-a para a reunião definitiva.
Mal ela chegou, foi despejando suas conclusões de mulher ferida, esperando a confirmação do detetive. Sua negativa trouxe a decepção ao rosto da cliente. Dona Aurora não acreditava que pudesse estar enganada. Cobrou fotos, sem querer ouvir os fatos verdadeiros. O velho perdia no jogo! Tanto é que Jaime dispensou os honorários pelo serviço, pois já o considerava pago.
Nesse momento Dona Aurora partiu para a ofensiva. Acusou o detetive de ter se vendido, aceitando suborno para negar a traição e disse que o denunciaria por extorsão se não apresentasse as provas. Por mais uma semana estendeu-se a angústia do senhor Trem e ele já se sentia amigo de Benedito. Sofria pelo velhinho, que aturava Dona Aurora há cinqüenta anos.
Numa tarde pôde flagrar Benedito sendo cumprimentado pela filha de Seu Maneco, outro freqüentador assíduo daquele “cassino da terceira idade”. Uma bela morena, diga-se de passagem. Tirou uma foto com a câmera digital, só por precaução.
Ao final da segunda semana, afirmou novamente a inocência do mais recente amigo e outra vez foi ameaçado pela esposa determinada. A terceira semana foi mais terrível... Dona Aurora fazia visitas diárias, queria olhar todas as anotações e arquivos do detetive. Dizia ter certeza do que investigava, tomava conta de seu escritório e Jaime Trem não resistiu...
– Don’Orora, a sinhora estava certa! – e apresentou a foto de seu Benedito com a filha de Maneco.
A velhota esboçou um sorriso... e fechou a cara ao ver a fotografia.
– Mas num é essa a diaba não, uai!
Jaime desacreditado perdeu completamente a razão.
– Ô Dona, eu até que tentei salvar o Binidito d’ocê... mas num tem jeito não, ô trem complicado! A sinhora que fique com o escritório, que eu vou é pra praça aqui da frente – e saiu, deixando de lado a profissão e o sobrenome.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Sou o homem dos mil versos
das riminhas,
dos provérbios.
Sou moleque de palavras quebradas,
inventadas, foragidas...
corrompidas ao meu bel’prazer!
Sou o que tudo fala
e nada diz,
o que sempre está a procura...
Enfim, apenas mais um poeta ruim,
neste mundo que Platão pré-viu.
Sou um homem que não cresceu,
um velho, ainda novo,
um jovem cansado da vida.
– Sou um homem – como Fabiano,
de Graciliano.
Sou sem-graça! Sem-teto! Sem-jeito!
Afinal, sou o tal homem dos mil versos,
e quem encontrar algum que preste
neste universo de disparates,
que um dia me contrate,
ou me expulse da cidade.


João F. A. Cunha